quinta-feira, 21 de junho de 2007

O Brasil de Luís Perequê


É com orgulho e um certo constrangimento que comento o disco Eu, Brasileiro, de Luís Perequê. Orgulho, pois se trata de um dos grandes compositores, intérpretes e violeiros do Brasil. Constrangimento porque nunca havia ouvido falar dele, até ser apresentado por um bom amigo, apaixonado por música popular, que andou lá pelas bandas de Paraty.

A bela cidade do litoral do Rio de Janeiro é berço e residência de Perequê, e isso faz toda a diferença na sua obra, repleta de Brasil por todos os poros. Seu país é caiçara, miscigenado, repleto de sons indígenas, negros e europeus. É o país dos violeiros menestréis errantes, da sua gente que se alastra litoral adentro, ponteia viola, invade os sertões e escapa pela geografia, alheio aos grandes canais de TV. É da mesma linhagem de Dércio Marques, Xangai, Renato Teixeira, Elomar e afins. Sua canção, no entanto, é forjada na praia, nas tribos e comunidades de pescadores.

Eu, Brasileiro é seu segundo disco, dedicado ao amigo e parceiro instrumentista Negão, do lendário grupo Paranga, da cidade de São Luís do Paraitinga. Todas as canções são de autoria do próprio Perequê e têm um sotaque único, muito próprio. São melodias vigorosas, com passagens rítmicas inusitadas que, em momento algum, prejudicam a fluidez. O violão, muito bem tocado pelo autor, é um fator decisivo na estrutura de suas obras, construídas com passagens harmônicas simples e bem engendradas.

O segredo da mistura de sua canção se completa com as palavras que escreve. Perequê é um letrista de mancheia, no que isso tem de mais estrito. Faz com que seus textos cantem repletos de sentido e som: ‘‘Eu sou da água do coco, do toco do pindoba, da goga que sobra do caxinguelê... Cara de nego maluco, macungo é suco de cana, mucama é dama africana, cachaça cana caiu’’, canta em Eu, Brasileiro. São imagens que dançam por conta própria, coisa que parece ter nascido pronta de tão límpida.

Sua canção se destaca e salta fora do quotidiano simples e prosaico caiçara. Questiona coisas grandes a partir do seu pequeno grande mundo. Tudo passeia nas suas proposições, desde Deus (ou os deuses), ecologia, paixões desperdiçadas (atenção para o lindo verso de Porto Perdão: ‘‘Ah meu amor, diga que não se lembra mais qual foi o cais em que o nosso barco naufragou, diga que não se lembra mais, se foi tormenta ou calmaria ou nem havia mesmo um cais’’), as cores do seu dia a dia perto tanto do mato quanto do asfalto.

Eu, Brasileiro, de Luís Perequê, acima de um ótimo disco, por um grande autor brasileiro, é uma obra que nos traz alento. Vem para nos lembrar de outros brasis possíveis que espocam aqui e ali e, muitas vezes, nem a maioria interessada toma conhecimento. Para tal, nem adianta procurar. Esta água só se bebe na fonte e os contatos são: Instituto Silo Cultural tel. (24) 3371.8365 ou silocultu ral@hotmail.com.


Autor: Julinho Bittencourt, jornalista, músico e crítico de MPB.
Crítica disponibilizada pelo jornalista para ser publicada no blog Jornalistinha.

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